Conforto ambiental na rede Sarah

08/09/2011 | Notícia | Revista Finestra – Julho/Agosto 2011

 

Exemplos de arquitetura bioclimática, os hospitais da Rede Sarah de Salvador e do Rio de Janeiro, projetados pelo arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé), foram objetos de estudo da arquiteta e urbanista Marieli Azoia Lukiantchuki em seu trabalho de mestrado. Neste artigo, ela fala sobre os principais resultados de sua pesquisa.

A evolução das estratégias de conforto térmico e ventilação natural na obra do arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé) foi tema da dissertação de mestrado da arquiteta e urbanista Marieli Azoia Lukiantchuki, com foco nos hospitais da Rede Sarah de Salvador e do Rio de Janeiro. Orientado pela professora Rosana Caram, o trabalho foi desenvolvido no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos/USP e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A pesquisa contou com o apoio de Lelé e de sua equipe, originando uma analise dos projetos e do desempenho das obras, através de ensaios de maquetes em túnel de vento do Laboratório de Conforto Ambiental e Física Aplicada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e de medições in loco de temperatura, umidade, velocidade do vento e níveis de iluminância. Neste artigo, Marieli faz uma síntese de seu estudo.

Projetar considerando o conforto dos usuários e a economia de energia elétrica vem se tornando, cada vez mais, uma tendência mundial. Uma das principais funções dos arquitetos a concepção de projetos mais eficientes que reduzam os impactos ambientais, melhorando a integração do edifício com o entorno e a obtenção de conforto através de sistemas passivos de condicionamento. No Brasil, destaca-se o trabalho do arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé), devido à utilização, em suas obras, de estratégias de ventilação e iluminação naturais. Através da criação de soluções diferenciadas de conforto, ele integra princípios funcionais, econômicos e ambientais, reduzindo os gastos com a energia elétrica e, principalmente, tornando os espaços menos herméticos, mais agradáveis e humanizados.

O grande destaque de sua produção arquitetônica são os hospitais da Rede Sarah, considerados verdadeiros exemplos de arquitetura bioclimática. As experiências que o arquiteto vem realizando nessa rede foram determinantes para que um novo padrão de arquitetura hospitalar fosse implantado. Edifícios construídos com base na industrialização, que utilizam recursos naturais através de soluções criativas e flexíveis, transformam-se em locais confortáveis, econômicos e agradáveis.

Lelé trabalhou na Rede Sarah durante 30 anos, sendo responsável pelo projeto, execução e manutenção de todos os hospitais. Isso possibilitou uma convivência frequente com todos os edifícios em funcionamento e, consequentemente, uma constante evolução das soluções de conforto. O seu processo de projeto é continuo, em que cada novo trabalho é visto como uma continuação do anterior, baseado principalmente nas experiências adquiridas através do Centro de Tecnologia da Rede Sarah (CTRS). Para ele, arquitetura não é apenas o projeto, mas sim um processo formado por um conjunto de conhecimentos e técnicas acumulados e aprimorados no decorrer das diversas experiências profissionais. “Quando o arquiteto faz o projeto ele esta no primeiro degrau. Eu considero a arquitetura não um projeto ou um ato de criação, e sim um processo. Então é um processo que tem vários degraus e o último degrau é aquele do funcionamento do hospital”, afirma Lelé. Para ele, cada projeto é um aprimoramento. “A gente tem sempre que se apoiar em experiências anteriores para aprimorar as novas. Me aflige muito essa questão da estagnação. Então, essa convivência com o projeto e importante, porque é a prova dos nove. Você não pode abandonar a sua criação, não, você tem uma responsabilidade com o seu projeto como se fosse um filho que você cria. É fundamental que você acompanhe a vida dele. Isso no Rede Sarah para mim e bem característico, e todo mundo me cobra. Depois que você tem uma vivência, como eu tenho aqui na Rede Sarah, de todos os setores, da convivência do dia a dia, inclusive a manutenção dos hospitais somos nos que fazemos, então a gente tem uma vivência integral dos espaços hospitalares e al o projeto fica fácil. Não há muito que discutir, e sim aprimorar, corrigir os erros anteriores e ir em frente”, reflete o arquiteto.

Linha do tempo

Representando as pontas da linha do tempo da evolução dos hospitais Sarah, temos o Sarah Salvador e o Sarah Rio de Janeiro, devido as diferenças significativas entre os edifícios. O hospital de Salvador, inaugurado em 1994, já possuía uma proposta diferenciada com relação ao conforto ambiental, que foi sendo aprimorada nos hospitais seguintes. O hospital do Rio de Janeiro, inaugurado em 2009, e o último edifício da rede e possui as soluções de conforto mais elaboradas, sendo considerado o mais evoluído. Através desse projeto, constata-se uma nova fase na vida profissional do arquiteto, produto da experiência acumulada ao longo de todos esses anos na Rede Sarah.

“O que me chamou muito a atenção, no projeto do hospital de Salvador, foi o sistema de conforto ambiental. Fiquei muito entusiasmado porque realmente era uma inovação. A soma desse conjunto de procedimentos para tratar a construção, tirando o melhor possível dos materiais, do processo construtivo, da associação entre as partes, formando um todo coerente e ainda nesse requinte de ter um sistema de ventilação natural. Tudo isso me entusiasmou muito”, afirmou o arquiteto Haroldo Pinheiro, que começou a trabalhar com Lelé ainda como estudante em 1975, acompanhou toda a fase de projeto do hospital de Salvador e coordenou sua execução. “já o hospital do Rio eu considero um salto. O Lelé tem dessas coisas. Ele vai evoluindo em uma curva ascendente e de repente dá um pulo. Com base na experiência acumulada ele ha um salto. Pega o desenvolvimento dos últimos 15 anos e propõe algo mais a frente, como no caso do Rio.”

Lelé busca desenhos mais leves na cobertura e, em função do caráter maleável do aço, assume formas variadas. Os sheds são elementos que caracterizam a sua arquitetura, estando presentes em todos os edifícios da Rede Sarah. A sua principal função favorecer a ventilação e a iluminação naturais, e engana-se quem acredita que os desenhos dos sheds foram modificados aleatoriamente em cada novo edifício. As mudanças resultam de estudos de conforto ambiental que visam melhorar a eficiência desses dispositivos.

A principal diferença entre esses dois hospitais é a composição da cobertura. No Sarah de Salvador, as aberturas dos sheds estão localizadas a sotavento (sudoeste), favorecendo o efeito de sucção do ar. Já no Sarah Rio, a estrutura e a geometria dos sheds são completamente diferentes, possuindo maior flexibilidade. Nesse caso, os sheds são orientados a barlavento (leste) para captar os ventos predominantes. No entanto, existem também aberturas orientadas a sotavento, permitindo a passagem do ar e a ventilação permanente pela cobertura.

A ventilação natural nos dois hospitais foi trabalhada como um dos aspectos principais, buscando-se o conforto térmico dos usuários e reduzindo a utilização do ar condicionado. Considerando que o Brasil é um pais com grandes extensões de clima tropical, e que a maioria dos hospitais dessa rede esta localizada em regiões de clima quente e úmido, o uso dessa estratégia para alcançar o conforto térmico é essencial. No caso do hospital de Salvador, apenas os ambientes especiais, como o centro cirúrgico e setores de imagem, entre outros, possuem sistemas mecânicos de resfriamento, devido à necessidade do controle rigoroso da temperatura, da umidade e da pressão.

Nos outros, mais flexíveis a esses fatores, empregou-se, exclusivamente, a ventilação natural através de fluxos verticais, favorecendo o efeito chaminé.

Ao contrario do hospital de Salvador e de grande parte dos edifícios da rede, o Sarah Rio possui ar condicionado na maioria dos ambientes internos, incluindo os setores flexíveis como as enfermarias e as áreas de reabilitação. Essa decisão ocorreu devido ao clima quente e úmido do Rio de Janeiro, com temperaturas que atingem mais de 40° C no verão, o que torna indispensável o uso do ar condicionado em determinados períodos. No entanto, existem dias mais amenos e até períodos de frio, quando possível alcançar o conforto térmico através do uso da ventilação natural. Diante disso, embora o uso do ar condicionado tenha sido generalizado, existe a possibilidade de utilizar sistemas de ventilação natural ou natural forçada.

Essas soluções de resfriamento integradas evitam o uso exagerado do ar condicionado em dias em que não é necessário, possibilitando uma edificação mais flexível, mais agradável e mais econômica. No entanto, o projeto de um edifício hibrido exige mecanismos muito práticos para trocar de um sistema para o outro, evitando gastos excessivos com a energia elétrica. Desse modo, foram desenvolvidos sistemas automatizados, fabricados pelo CTRS, que facilitam a flexibilização e o controle desses sistemas. 0 ápice da flexibilidade é alcançado no Sarah Rio através da possibilidade da rápida mudança do sistema artificial para o natural.

No Sarah de Salvador surge uma grande inovação: as galerias de manutenção das instalações se tornam também galerias para a ventilação natural, o que era inexistente nos edifícios anteriores. As entradas das galerias para a captação do ar estão orientadas no sentido dos ventos dominantes (nordeste). 0 ar é canalizado, criando um diferencial de pressão necessário para favorecer a ventilação vertical. Na ausência de ventos, ventiladores localizados na entrada das galerias são acionados para fazer a captação do ar e o insuflarem para os ambientes internos.

Já no hospital do Rio de Janeiro, as galerias foram substituídas por um pavimento técnico. A fachada externa desse piso é composta por um painel de alumínio perfurado para que ocorra a captação dos ventos. Do lado de dentro, também foram dispostos ventiladores, que captam o ar, insuflando-o para os ambientes internos através dos espaços existentes entre as divisórias de argamassa armada. Nos ambientes, o ar sai por meio de venezianas localizadas nas paredes.

O resfriamento evaporativo também e uma estratégia muito utilizada por Lelé e está sempre integrado a ventilação natural. No Sarah de Salvador, foi implantado um sistema de nebulização de água do lado de dentro das galerias. Nos hospitais posteriores, esse sistema foi localizado no lado de fora, como no Sarah Rio, cuja aspersão está no espelho d’agua que margeia a fachada externa do pavimento técnico. Quando o ar que vem do exterior passa por dispositivos que aumentam a sua umidade relativa, no processo de evaporação, a água retira calor latente do ambiente, diminuindo a temperatura do are melhorando as condições de conforto Além disso, tem a função de limpá-la, filtrando as partículas de poeira que estão presentes no ar.

Com relação a composição da cobertura, nota-se a grande evolução ocorrida no Sarah Rio. A cobertura do hospital de Salvador é composta por uma camada externa de telhas de alumínio, uma camada de ar intermediaria em torno de 15 centímetros de espessura e um forro interno de alumínio. 0 pé-direito desse hospital é de Três metros na parte inferior dos sheds e 4,50 metros na parte superior, sendo, nesse caso, os sheds limitados por ambientes, o que os torna menos flexíveis as adaptações, as manutenções e ao sistema de ventilação natural.

No Sarah Rio, os sheds também são compostos por telhas e forros de alumínio, formando entre eles uma camada de ar em torno de 15 centímetros de espessura. No entanto, diferentemente do hospital de Salvador, em que os sheds são limitados pelos ambientes, nesse caso a cobertura e completamente solta e independente dos espaços internos, vencendo vãos de ate 15 metros. Além disso, o pé-direito desse edifício significativamente maior, sendo variável e sempre superior a oito metros. Lelé explica que no Sarah de Salvador cada shed esta limitado a um ambiente. Se houver necessidade de mexer nas divisórias, essa mudança terá que ser feita de acordo com as aberturas dos sheds. “Isso cria uma limitação grande de flexibilidade dos ambientes”, diz o arquiteto. “Mas a tendência é a ventilação ir melhorando.” No sistema do Rio, a ventilação melhora bastante, mas a de Salvador é mais limitada aos ambientes.

Entre a cobertura externa em sheds e os ambientes internos, há um teto plano composto por esquadrias metálicas com peças basculantes revestidas por policarbonato alveolar translucido. Já no centro de convivência e no setor de fisioterapia e hidroterapia, os forros basculantes foram substituídos por coberturas em arcos retrateis, compostas por placas também revestidas com policarbonato alveolar translúcido. Todo o sistema é automatizado e controlado através de interruptores nas salas.

De acordo com uma pesquisa desenvolvida em 2002 pela professora doutora Rosana Caram em sua tese de livre docência, “Estudo e caracterização de fachadas transparentes para uso na arquitetura: ênfase na eficiência energética”, os policarbonatos apresentam transparência ao infravermelho curto e ao visível, mas são opacos ao ultravioleta e ao infravermelho longo, produzindo o efeito estufa. Além disso, se forem utilizados em superfícies muito expostas, podem apresentar problemas como o amarelamento, passando de transparentes para translúcidos. No entanto, nesse caso eles funcionam muito bem, pois não estão expostos as intempéries e a radiação solar direta, uma vez que estão totalmente protegidos e sombreados pela cobertura externa. “Quando os tetos basculantes são abertos, estão todos protegidos, sombreados pelas coberturas em shed. No calculo da carga térmica essa área nem foi considerada como teto, e sim como uma divisória, um teto divisório de um ambiente que não é externo, não pega sol”, afirma o engenheiro mecânico George Raulino, que trabalha com Lelé desde 1980, sendo responsável pela análise da carga térmica e dos ganhos de calor nos hospitais Sarah, bem como pelo desenvolvimento dos sistemas de ar condicionado e ventilação.

Como a cobertura é a face do edifício mais exposta à radiação solar, grande parte do ganho térmico para os ambientes internos acontece através dela, tornando-a um dos elementos mais importantes a se considerar na proteção dos ganhos de calor pela radiação solar. A telha de alumínio possui uma pequena espessura e, segundo a NBR 15.220 (2003), o alumínio possui um valor de condutividade térmica de = 230 W/(m.K), ou seja, é um material com resistência térmica relativamente baixa (R = e/7), e, consequentemente, tem um valor de transmitância térmica alto. Essas propriedades indicam que grande quantidade de calor e transmitida para os ambientes internos. No entanto, as estratégias de projeto utilizadas por Lelé minimizam os ganhos de calor. Em ambos os hospitais, a cobertura é pintada na cor branco-neve e, segundo dados publicados em 2008 pela pesquisadora Kelen

Dornelles em sua tese de doutorado, “Absorbância solar de superfícies opacas: métodos de determinação e base de dados para tintas látex acrílica e PVA”, essa cor possui absorbância solar em torno de 19,4% (a = 0,194) e refletância solar em torno de 80,6% (p = 0,806), o que minimiza a absorção da radiação incidente sobre a cobertura e o ganho de calor para os ambientes internos.

Outra solução que complementa o uso da cor branca é o espaço de ar existente entre a cobertura e o forro, que possibilita proteção térmica, reduzindo a entrada de calor nos ambientes internos pela cobertura. Na caso de Salvador, esse espaço tem aproximadamente 15 centímetros. No entanto, no Sarah Rio isso é acentuado pela cobertura totalmente independente do prédio. Entre as sheds e as tetos móveis, existe um grande espaço de ar ventilado de cerca de quatro metros, permitindo major proteção térmica que em Salvador. 0 papel principal da grande cobertura que envolve todo o hospital do Rio de Janeiro é análogo a um prédio construído sob imensas copas de arvores, impedindo que o ganho de calor pela cobertura chegue aos ambientes internos, além de funcionar coma difusor da luz solar e grande colchão de ar ventilado. “É como se você estivesse filtrando a luz, o vento, o ar. O frescor que você sente embaixo de uma arvore é coma um filtro, onde o vento passa. Para você se defender do calor, o melhor lugar é embaixo de uma arvore. Então o conceito básico ali é você criar uma grande sombra, é coma se você estivesse embaixo de uma arvore. Entre a cobertura dos sheds e as basculantes, fica um colchão de ar que atenua todas as ações de calor, e quanta maior esse espaço, melhor”, afirma Lelé.

Além disso, a ventilação pela cobertura também ajuda nesse processo. No Sarah Salvador, a ventilação natural de baixo para cima (efeito chaminé) ajuda a retirar o calor para o exterior. Já no Sarah Rio, a localização das aberturas dos sheds em lados opostos – barlavento e sotavento – permite a renovação continua do ar, evitando nesse espaço o acúmulo de ar quente.

Ensaios em túnel de vento

Para avaliar a eficiência da geometria dos sheds com relação a ventilação natural, maquetes de enfermarias dos hospitais de Salvador e do Rio de Janeiro foram construídas e ensaiadas no túnel de vento de camada limite atmosférica do Laboratório de Conforto Ambiental e Física Aplicada da Unicamp. Esse túnel de vento foi construído através de um projeto em conjunto da Unicamp com a Eesc/USP, financiado pela Fapesp. Essa etapa da pesquisa foi auxiliada por Edson Matsumoto, que desenvolve sua pesquisa de pós-doutorado na Unicamp, e pela professora doutora Lucila Chebel Labaki, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo dessa mesma instituição.

Os resultados da comparação das enfermarias dos hospitais de Salvador e do Rio de Janeiro mostram que o interior da enfermaria do Sarah Rio é mais bem ventilado em aproximadamente 17%. As maiores dimensões das aberturas e do pé-direito do hospital do Rio de Janeiro, que captam o vento e o fazem passar na parte superior do ambiente interno, proporcionam uma vazão de ar maior e, consequentemente, velocidades maiores no ambiente interno.

Além do cuidado com o conforto térmico e com a ventilação, o use da luz natural é um fator imprescindível a ser considerado nos hospitais, pois, além dos benefícios para a saúde humana, é mais econômica e mais agradável para as pacientes. Mais do que uma questão econômica, Lelé sempre priorizou o uso desse recurso natural principalmente pela humanização dos espaços internos.

“Quando comecei a projetar sheds não havia o problema econômico. 0 que me moveu a fazer os sheds foi a questão da humanização dos ambientes através da luz natural e da ventilação natural”, afirma Lelé. “Sempre achei quo isso era mais sadio para o ser humano do quo a iluminação artificial ou o ar condicionado. Então, minha posição inicial não foi movida pela economia ou pela sustentabilidade que hoje, devido ao alto custo da energia, e preciso ter com os recursos naturais, mas pela humanização. O hospital de Taguatinga foi em 1967 e ele é todo com ventilação e iluminação natural”, diz o arquiteto.

A luz difusa é a melhor qualidade da iluminação natural por proporcionar homogeneidade ao ambiente. A luz direta permite a entrada da carga térmica para os espaços internos, causando desconforto visual através do ofuscamento e do brilho intenso. Já a difusa diminui a entrada do calor e possibilita melhor realização das tarefas. Isso pode ser alcançado trabalhando o teto, pois., segundo informações disponíveis no livro Daylighting: design and analysis, de Claude L. Robbins, de 1986, a iluminação zenital através de sheds e mais intensa e uniforme. No entanto, Oscar Corbella e Simos Yannas, no livro Em busca de uma arquitetura sustentável para os trópicos – conforto ambiental, de 2003, destacam quo a maior contribuição à carga térmica de refrigeração provém da radiação solar quo atinge o teto, e que, sobretudo no verão, as trajetórias solares são muito altas. Com isso, as aberturas zenitais também devem possuir anteparos quo barrem a entrada da radiação solar direta.

No caso do Sarah Rio, a estrutura da cobertura também propiciou melhores níveis de iluminância. A luz penetra pela cobertura, independente do conjunto, e antes de atingir os ambientes internos passa por um grande ático, cuja geometria irregular dos sheds e a face branca possibilitam múltiplas reflexões e, consequentemente, maior difusão da luz solar. Em seguida, a luz penetra nos ambientes através dos forros móveis revestidos com policarbonato translúcido. Essa composição filtra de maneira mais eficaz a incidência da radiação solar direta, além de permitir uma distribuição mais uniforme da luz natural do que no edifício de Salvador, que possui pé-direito menor e onde os sheds são limitados por ambientes.

Para Lelé, a iluminação do hospital do Rio de Janeiro e muito melhor, mais difusa e agradável. “Não há um contraste de sombra, e sim uma iluminação natural mais difusa, porque ela toda filtrada, criando uma situação mais agradável”, observa o arquiteto. Ele nota que no caso do hospital de Salvador, como os sheds são baixos, eles concentram a iluminação em áreas, não havendo aquela difusão. “Com um pé-direito maior há difusão. O hospital de Salvador foi um dos primeiros a ser feito e havia muitas dificuldades. O hospital do Rio de Janeiro, pelo fato de ser o último, foi somando experiências e então os efeitos são mais significativos”, diz Lelé.

No entanto, e importante ressaltar que, através de medições dos níveis de iluminância realizadas in loco, todos os pontos monitorados nas enfermarias de ambos os edifícios apresentaram níveis de luz natural superiores aos valores mínimos recomendados pela NBR 5.13 (1992) para quarto de hospitais (mínimo de 319 lux para Salvador e 425 lux para o Rio).

Por fim, apesar de o auditório do Sarah Rio ser totalmente climatizado artificialmente, também foram propostas estratégias de iluminação e ventilação naturais, através de uma cúpula composta por peças de aço inoxidável, que pode permanecer fechada ou se abrir como uma flor. Essa cúpula se abre através de um sistema motorizado, e, quando as atividades no auditório permitem, o ar condicionado e a luz artificial dão lugar às estratégias naturais de conforto.

O estudo dos hospitais de Salvador e do Rio de Janeiro revela a constante preocupação do arquiteto com a evolução e o aprimoramento das estratégias de conforto. O grande destaque da evolução e a cobertura do Sarah Rio, resultado da combinação de experiências anteriores, possibilitando maior flexibilidade para as manutenções e melhor desempenho ambiental. No entanto, é importante ressaltar que o hospital de Salvador se destaca como um exemplo nessas questões, pois o seu projeto e de 1988, época em que esses temas ainda nem eram muito discutidos e Lelé já possuía uma importante preocupação com o conforto, projetando edifícios que hoje servem de exemplos para a nova geração de arquitetos.
Fotos: Mariele Azoia Lukiantchuki

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